Hoje a fala-poema de Stela do Patrocínio fala mais e melhor por mim:
Eu era ar e tempo
Eu era ar e tempo, espaço vazio, tempo
Eu era ar e tempo, espaço vazio
Eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo
E gases puro, assim
Eu era ar e tempo
Eu não tinha formação
Não tinha formatura
Não tinha onde fazer cabeça
Fazer braço, fazer corpo
Fazer orelha, fazer nariz
Céu da boca, falatório
Fazer músculo, fazer dente
Eu não tinha onde fazer nada dessas coisas
Pensar em alguma coisa
Ser útil, inteligente, ser raciocínio, fazer cabeça
Não tinha onde tirar
Eu era espaço vazio
Eu não sei como é que pode formar uma cabeça
Um olho enxergando, nariz respirando
Boca com dentes
Orelhas ouvindo vozes
Pele, carne, ossos
Altura, largura, força
Pra ter força
O que é preciso fazer
Tomar vitamina
É preciso vitamina.
segunda-feira, setembro 21, 2009
domingo, setembro 20, 2009
minha resposta sobre o que é paixão
Era possível estender cada micro esfera de segundo prestando atenção nos rastros de sua presa. Passarinho dentro da boca. Tentativa desesperada de bater asas dentro do pescoço do predador, coração em disritmia.
quarta-feira, setembro 16, 2009
homens
Era a única garota com seu pai, no meio de tantos pais que levavam seus filhos-homens pelas mãos. Na grande fazenda havia um local onde se treinava tiro. E os pais-comunistas, guerrilheiros de outrora, sabiam que uma criança também deveria preparar-se para a revolução. "Assim como os filhos de Lamarca!".
Foi naquele dia que percebeu, ainda menina de oito anos, algo muito além dos ideais revolucionários.
A menina que tinha estilingue e camisa do flamengo, notou de repente que a gola decotada de sua blusa azul royal deixava seu ombro esquerdo pelado, completamente à mostra.
O toque do algodão azul na sua pele, a cor moreno-férias de seu ombro fizeram com que ela percebesse o óbvio: não era igual a eles. Homens ou meninos, ela era diferente de todos.
Passou então a prestar mais atenção na sensação de sua pele descoberta do que na aula de tiro. Sentia-se linda! Plena. Feminina. Exibia, orgulhosa, seu ombro esquerdo. Nada era intencional, nem descabido. Era só a percepção de sua sensualidade, de sua feminilidade, de sua diferença entre todos. E a partir daquele dia, começou a olhar o sexo oposto de modo enviesado.
O gênero masculino lhe interessava muito e já entendia que um dia o desejaria; mas aí seria não só com o ombro, mas com o corpo inteiro. Homens, para ela, era uma questão de espiritualidade. E o amor matéria de salvação.
Foi naquele dia que percebeu, ainda menina de oito anos, algo muito além dos ideais revolucionários.
A menina que tinha estilingue e camisa do flamengo, notou de repente que a gola decotada de sua blusa azul royal deixava seu ombro esquerdo pelado, completamente à mostra.
O toque do algodão azul na sua pele, a cor moreno-férias de seu ombro fizeram com que ela percebesse o óbvio: não era igual a eles. Homens ou meninos, ela era diferente de todos.
Passou então a prestar mais atenção na sensação de sua pele descoberta do que na aula de tiro. Sentia-se linda! Plena. Feminina. Exibia, orgulhosa, seu ombro esquerdo. Nada era intencional, nem descabido. Era só a percepção de sua sensualidade, de sua feminilidade, de sua diferença entre todos. E a partir daquele dia, começou a olhar o sexo oposto de modo enviesado.
O gênero masculino lhe interessava muito e já entendia que um dia o desejaria; mas aí seria não só com o ombro, mas com o corpo inteiro. Homens, para ela, era uma questão de espiritualidade. E o amor matéria de salvação.
quarta-feira, setembro 09, 2009
saída da escola
As duas irmãs voltavam juntas da escola. O percurso era curto, mas libertador. Fetiche de independência andar na rua sem adultos, ainda mais quando se tem 10 e 12 anos. Passavam na venda de doces; compravam chicletes e pirulitos que tingiam o céu da boca de azul. Atravessavam ruas, observavam semáforos, desviavam de olhares invasores e tropeçavam. Como tropeçavam! Todos os dias, várias vezes cada uma. Contavam o número de tropeçadas. E não eram propositais. Eram os pés tortos que davam rasteiras. Eram seus corpos que davam um jeito de fincar raíz no concreto, fazer com que as duas irmãs olhassem o asfalto por onde pisavam. Porque as cabeças das duas estavam em outro lugar. Voavam em nuvens, desligando-se dos ossos que pisavam o chão.
terça-feira, setembro 08, 2009
jeito de gente
Como água assumia outras formas. Se moldava à arquitetura alheia: ganhava traços, escadas, cores e janelas que não eram suas. Visitava o gosto dos outros por pura compaixão. Amava demais o que era humano e se esquecia que, ela própria, não era bicho. "Gosto de pessoas simples", pensou. Mentia. Queria ela poder não enxergar a si mesma em tudo o que via. "Vejo demais". E não era mentira, podia ver mesmo a carne sendo digerida em barriga alheia. Sabia do estômago do mundo e de lá, vez em quando, as coisas fediam. Água turva.
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