quinta-feira, abril 14, 2011

crianças de apartamento

Já adulta esqueci as chaves de casa. Sai com rapidez para fazer as unhas, não levei documento, carteira, somente o dinheiro pra pagar a manicure. Sai para voltar logo.

Voltei: a porta trancada, silêncio do lado de dentro. Havia "me esquecido para fora de casa". Fiquei no hall do prédio, sentada no sofá-de-couro-velho-de-ninguém da sala de estar do edifício. As pessoas subiam e desciam de tempos em tempos. O porteiro, gentil, veio perguntar se eu precisava de algo, se queria almoçar me apontando a marmita. Eu, impaciente, esperava alguém chegar para me salvar.

O menino de óculos e gibis na mão desceu. Sentou no sofá em frente ao meu e entediado no seu longo segundo mês de férias, lia.
Lhe perguntei algo sem importância: ele e o irmão mais velho estavam sozinhos em casa, esperavam os pais que trabalhavam. O irmão mais velho não queria brincar, o menino mais novo entediado desceu pra ler gibi. E ali ficou.
E ali fiquei olhando o menino.
Depois de algum tempo, o menino se cansou dos gibis. Deixou-os de lado e foi conversar com o porteiro.

Nesse instante, me lembrei de mim: era eu essa criança na cabine do porteiro entediada com a cidade. Era eu que queria brincar de porteiro, atender interfones, apertar o botão para o portão automático se abrir. Era eu que ouvia as histórias dos porteiros - dos montes japoneses do Seu Akiro a incrível história das pernas gigantes e inchadas do Seu Humberto. Era eu que conhecia cada cantinho do meu prédio de criança, sabia do horário dos moradores. Era eu que tinha longas tardes livres deitada de bruços com os pés para cima.

E me lembrei, também, da solidão feliz que às vezes vive uma criança.

E naquele momento eu era aquele menino de óculos esperando por mais um "Almanacão de Férias da Turma da Mônica". E, ainda hoje, quando encontro o menino no hall do prédio vestindo o uniforme do judô, esperando que sua mãe o busque, nos olhamos com cumplicidade. Compartilhamos da mesma solidão de uma tarde em um prédio de apartamentos.