sábado, dezembro 24, 2011

pajaritos

Lembrei que num dia de Natal, que há muito tempo aconteceu, eu era uma menina de camiseta roxa com um periquito verde estampado bem no centro.
E não por mero acaso, mas por invencionice do viver, essa menina que preferia o Natal ao seu aniversário - à época a segunda data mais empolgante do ano - veste hoje uma saia de pássaros e já não vê tanta graça em datas comemorativas.

(Mas ainda gosta muito de comemorar aniversários)

segunda-feira, outubro 17, 2011

o que Mineko Iwasaki contou pra mim

para o rapaz

A menina olhou para o moço, morreu de amor e virou uma gueixa. Tudo o que ela queria era amar, cozinhar, se pintar e entregar-se à tradicional e milenar arte da sedução. Seduzir todos os dias um único rapaz. Amá-lo dos dedos dos pés ao último fio de cabelo. Sabia-se flor, "bela em seu próprio estilo". Sabia-se salgueiro "graciosa, flexível, e forte". E amava. Sabia-se feliz.

quinta-feira, agosto 11, 2011

o disfarce do ovo!

Ingresso Rápido

verbo to be

E por falar em fraqueza, escancaro em mim o que é frágil. Minha força vem da certeza de não me querer (mostrar) forte, mulher maravilha, hypada em sorrisos de festa esfumaçada com gente bem vestida. Erro muito quando quero ser o que não sou. Como aquele tipo de gente que ri alto pra mostrar que é leve e feliz. Tenho preguiça de gente assim (e mais preguiça ainda quando me pego assim). Quando me esqueço que ser é estar.

sábado, junho 18, 2011

mães

Uma moça com uma boneca de plástico em seus braços. Uma moça inebriada com a boneca como se realmente tivesse tido um bebê. A boneca era tão real. Ela até conseguia encaixar a boquinha do bebê de plástico em seus seios de carne e dar de mamar ao bebê.
Ela acreditava ter a sensação descrita por muitas mulheres sobre a primeira amamentação. Sentia na pele: dor, prazer, plenitude. Só que daquele seio não saía leite.
Ficava o tempo todo com a boneca - bebê. Nunca percebeu nenhum dos olhares de reprovação que a julgavam louca ou analisavam seu caso.
Foi feliz com a sua boneca - bebê até o dia em que, no ônibus, uma outra mulher e seu bebê de verdade sentaram-se ao lado dela. A moça não conseguia tirar os olhos daquela mãe com seu filho nos braços.
Perdeu seu ponto de descida vidrada que estava. Nada mais importava, apenas o movimento de sucção daqueles pequenos lábios no bico intumescido e inflado daquela mulher.
Ficou profundamente ofendida. Largou sua criança de plástico no banco para sair pra nunca mais. A outra mulher com seu bebê de verdade, sem nada entender, ainda tentou avisá-la do esquecimento. A moça voltou e cuspiu no rosto dela.
A mulher com seu bebê de verdade levou consigo a boneca.
Adotou a criança de plástico que decorou pra sempre o quarto de seu filho. Fim.

segunda-feira, maio 30, 2011

back in the ussr

Sozinha na casa dele me lembro da minha geladeira russa: um pequeno espaço entre as partes de uma mesma janela a apoiar leite e suco de frutas.

Na vista daquela janela, meus poucos produtos - somente aqueles que podia carregar do supermercado ao alojamento - e o branco da neve ao fundo.

Nunca me senti tão triste e melancólica como me senti na Rússia.

Os curtos períodos de Sol, a brancura do inverno e toda aquela paisagem que insistia em me fazer retornar à infância.
A impressão de que a qualquer momento a bruxa ou a fada da neve me buscariam em seus trenós e me enforcariam com seus longuíssimos cabelos, eu e a minha angústia.

A nostalgia de meu pai comunista e da minha mãe que, nos anos oitenta, falava russo. Os desenhos do livro onde ela aprendia a língua, as frases que me ensinava -мать, купить вишни? .

Jhon Reed e os 10 dias que abalaram o mundo, a Internacional Comunista que por obra do meu pai tocou no lugar do tradicional "Parabéns para Você" no meu aniversário de 8 anos, se encontravam com a pequena marcha de 8 ou 10 socialistas que vi pelo Kremelin.

E a todo canto, desenhos de lendas e fadas da neve pintados a ouro nas caixinhas de madeira.

Voltando ao frio de hoje e à casa dele: já não sou mais Cachinhos Dourados por aqui... já tenho gavetas, gatos e a baixa temperatura me traz memórias russas. Memórias de quando eu fazia charme para agradar meu pai e torcia pra “Coviótica” nas Olimpíadas.

E, sincronicamente, o símbolo daquela Olimpíada era um urso “coviótico - soviético”.

Mas hoje a Cachinhos Dourados não só toma a sopa do urso, mas faz planos com ele de constituir família.

quinta-feira, abril 14, 2011

crianças de apartamento

Já adulta esqueci as chaves de casa. Sai com rapidez para fazer as unhas, não levei documento, carteira, somente o dinheiro pra pagar a manicure. Sai para voltar logo.

Voltei: a porta trancada, silêncio do lado de dentro. Havia "me esquecido para fora de casa". Fiquei no hall do prédio, sentada no sofá-de-couro-velho-de-ninguém da sala de estar do edifício. As pessoas subiam e desciam de tempos em tempos. O porteiro, gentil, veio perguntar se eu precisava de algo, se queria almoçar me apontando a marmita. Eu, impaciente, esperava alguém chegar para me salvar.

O menino de óculos e gibis na mão desceu. Sentou no sofá em frente ao meu e entediado no seu longo segundo mês de férias, lia.
Lhe perguntei algo sem importância: ele e o irmão mais velho estavam sozinhos em casa, esperavam os pais que trabalhavam. O irmão mais velho não queria brincar, o menino mais novo entediado desceu pra ler gibi. E ali ficou.
E ali fiquei olhando o menino.
Depois de algum tempo, o menino se cansou dos gibis. Deixou-os de lado e foi conversar com o porteiro.

Nesse instante, me lembrei de mim: era eu essa criança na cabine do porteiro entediada com a cidade. Era eu que queria brincar de porteiro, atender interfones, apertar o botão para o portão automático se abrir. Era eu que ouvia as histórias dos porteiros - dos montes japoneses do Seu Akiro a incrível história das pernas gigantes e inchadas do Seu Humberto. Era eu que conhecia cada cantinho do meu prédio de criança, sabia do horário dos moradores. Era eu que tinha longas tardes livres deitada de bruços com os pés para cima.

E me lembrei, também, da solidão feliz que às vezes vive uma criança.

E naquele momento eu era aquele menino de óculos esperando por mais um "Almanacão de Férias da Turma da Mônica". E, ainda hoje, quando encontro o menino no hall do prédio vestindo o uniforme do judô, esperando que sua mãe o busque, nos olhamos com cumplicidade. Compartilhamos da mesma solidão de uma tarde em um prédio de apartamentos.

sexta-feira, março 18, 2011

2011

2011