quarta-feira, dezembro 03, 2008

o disfarce do ovo





menina

Assim tão dentro de si percebeu: ação e meditação. O tempo era seu para usá-lo como queria. Podia passar tardes a saborear o que não era seu, como quem lê revista de celebridade, ou podia arriscar o que conhecia. Porque o medo, aos poucos descobria. Vais e vens longíquos, gritos adormecidos. Mas ela conhecia bem o sangue da linhagem a qual pertencia e, por isso, tinha que dar o salto, não negando a si mesma e nem ao mundo os talentos que possuía. Arrumou sua trouxa, enrolou-a em pano de algodão, pendurou-a num bastão e saiu pelas ruas. Foi deixando cair tudo o que não servia mais. Pés cansados, cabeça vazia. Só não fez passos de dança porque nunca soube dançar o que não era seu. Quando pequena, sua mãe matriculou-a num curso de ballet: enquanto a turma em uníssono ía pra direita, ela sozinha bailava para esquerda. E nas danças de casal nunca soube se deixar conduzir. Dançava bem a dança de seu próprio corpo. Uma dança um pouco machucada, mau das pernas; mas bonita. Sim, podia-se dizer que era uma mulher que dançava. Trouxa mais leve, peito carregado. Ela sabia que se não fosse o que prometera para si, jamais se perdoaria. Tinha que respeitar os desejos da menina que um dia foi expulsa da aula de ballet por dançar o contrário.