segunda-feira, janeiro 29, 2007

lágrimas laranjas

Ela que come mexerica como quem medita. Primeiro tira meticulosamente toda sua casca grossa. Livre da casca, sente em suas mãos a textura irreverente que tem a fruta. Abre a fina membrana branca e separa as pequenas gotas de sumo. Come uma a uma. Acha engraçado que cada gomo de mexerica tenha a forma de um sorriso, que contém dentro dele minúsculas lágrimas laranjas. Ela compreende a fruta. "Bergamota" ou "Vergamota", "laranja-cravo" e "tangerina". E também "laranja-mimosa" ou simplesmente "mimosa". Tangerina deriva de Tanger, cidade marroquina.

domingo, janeiro 28, 2007

adolescendo

Marcello, eu te amo!

Sofro porque o homem mais incrível que o gênero humano já produziu está morto.
Mas pelo menos ainda existem chocolates, o rosto e a voz dele em dvds e tardes vazias de domingo.

linha curva

No espelho o grande susto, estou me tornando um arabesco! Meus traços, com o passar dos anos, tornam-se cada vez mais árabes. Meus olhos parecem maiores e meu nariz fica cada vez mais reto. Minhas linhas insistem em ser apenas ornamentos. Gosto de pensar que é obra de Dona Julia e de Seu Bichara, imprimindo suas ancestralidades em mim, num rosto que já foi tão comum, tão "te conheço de algum lugar". É também minha forma de protesto: enquanto a cultura árabe continuar sendo a sombra da humanidade, serei cada vez mais curva. Os meus olhos aumentarão e meu nariz será cada vez mais reto. Aviso, pode ser perigoso. E ainda terão a pachorra de me chamar de terrorista.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

jesus papão

Na rua vi escrito: "Jesus vai te pegar"!

terça-feira, janeiro 23, 2007

clarice e gatos

Trecho do depoimento concedido por Clarice Lispector aos escritores Affonso Romano de Sant' Anna e Marina Colassanti, no MIS/RJ em outubro de 1976.

Marina Colassanti: Você disse que é um animal. Você é algum animal determinado?

Clarice Lispetor: Não, não me sinto não. Os outro é que me achavam com ar de tigre, de pantera. Outros me achavam parecida com uma garça, por causa das pernas compridas... Quando eu era pequena, eu tinha gato que não acabava mais...

Marina Colassanti: As pessoas devem achar que você é meio felina por causa dos olhos, mas não é não. É porque você tem um comportamento interno e uma observação constante que é dos felinos.

Clarice Lispector: É, eu concordo. Com aquilo que eu conheço dos gatos, eu concordo.


Eu também concordo Clarice.

história de uma gata

Lendo um livro muito sensível sobre gatos, de Sonia Hirsch, me deu vontade de falar sobre o novo acontecimento felino aqui de casa: Giulietta agora sai pra passear.
O curioso é que isso só acontece à noite, o dia serve para ela descansar da noitada que passou. O mais bonitinho é a carinha incrivelmente safada com que ela volta. O que ela viveu, eu não sei, mas tenho uma curiosidade enorme. Como toda mãe (ops...) superprotetora fico aflita até que ela volte. Os perigos são imensos: ratos envenenados, vizinhos que não gostam e maltratam gatos, carros apressados pela madrugada e toda gama de exageros que a superproteção pode inventar.
Fellini, o gato macho e irmão de Giulietta, também fica preocupado, mia incessantemente até que ela volte. Ele não sai pra rua. É o filhinho da mamãe (ops...), vive grudado em mim e até faz greve de fome quando eu não estou e devo confessar que adoro esse grude. Enquanto isso, Giulietta canta sua liberdade pelos telhados do bairro com outras gatas extraordinárias.

Para encerrar, filosofia barata: a gata fêmea guarda em si o arquétipo da mulher selvagem, enquanto ela sai pra vadiar, o gato macho fica chorando seu abandono. Meninas, precisamos olhar mais pra natureza que é realmente sábia!

domingo, janeiro 21, 2007

o desaparecimento de helena m. castro

Em sua casa não paravam empregadas domésticas. Afinal, ninguém passava as roupas de seu marido como ela. A primeira foi Silmara que deixava manchas nas camisas dele. Seguida de Valnice, que não seguia sua ordem de passar um pano com água morna e sabão de coco no sofá de couro uma vez por semana. E Suely que era incapaz de colocar a mesa de centro no lugar certo, fora o empilhamento desordenado dos tapewears que era o que a mais irritava.
Pouco a pouco foi esquivando-se de seu trabalho como jornalista e virou dona-de-casa. Era caprichosíssima. De forno e fogão, fazia do trivial ao requintado. Sua casa brilhva e cheirava bem, as roupas limpas, os armário ordenados, os tapewears separados por cores e tamanhos. Vieram os filhos e sua vida de dona-de-casa tornou-se ainda mais completa.
Estranhamente começou a sofrer de obstipação intestinal (prisão de ventre para ser direta). Uma argentina amiga sua, comentando o caso, disse que tinha um curioso livro sobre Psicosomatismo, " desordenes ó desequilibrios del cuerpo causados por la mente", e se prontificou a emprestá-lo. Achou tudo aquilo uma grande bobagem e ofendeu-se com a ousadia da amiga em querer saber mais dela do que ela própria. Não aceitou o livro.
Um dia aconteceu: aspirava meticulosamente sua casa como de costume e com a face de quem se resignou a não perceber, foi sugada pelo aspirador de pó e desapareceu completamente.

terça-feira, janeiro 16, 2007

ei...

Ei... Tem alguém aí?

segunda-feira, janeiro 15, 2007

battute italiane

1

-Lo sai cosa fa un asino al sole?
-No.
-Un asino al sole fa... ombra!

2

-Cosa fanno dieci galli sottoterra?
-Non lo so.
-Diece galli sottoterra fanno una... galleria!

3

-Qual è la differenza tra un matematico e Elvis Presley?
-Qual è?
-Il matematico conta, Elvis Presley canta!

INCRÍVEL!

assista já

La Double Vie de Véronique

onipresença

"Ofélia é que não voltou: cresceu. Foi ser a princesa hindu por quem no deserto sua tribo esperava."

domingo, janeiro 14, 2007

bastidores da alma

Fellini deita a cabeça em minha mão e ronrona.
Sinto as batidas do coração de Fellini.
Duas borboletas secam as asas sob nossos olhos.
Azaléia cresce mais um pouco.
O papel higiênico do lavabo acaba.
Duas borboletas entram em casa, Giulietta quebra as asas de uma delas.
Sinto as batidas do coração dele.
A fenda do meu vestido rasga.
O papel higiênico do banheiro de dentro da casa também acaba.
Carambola não tem graça se não for cortada como estrela.
Carambola sempre tem graça na companhia dele.
Rimos caçando uma barata.
Olhar sério que antecede um sorriso.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

letra pequena

Porque assim só lê quem se esforça.

questão de ordem

A gente percebe que está ficando velho quando depois de dar uma festa, não consegue dormir antes de lavar toda louça e pôr tudo no seu devido lugar.

...

A paixão segundo G. M.

paschoal alves pereira

Quando tinha dezoito anos se apaixonou por um português carregador de malas. Enquanto esteve em Coimbra vivia pelo gajo. Hospedada no hotel em que ele trabalhava, passava horas sentada em frente a recepção vendo o moço trabalhar. A cidade não importava, não conheceu.
No dia de ir embora, entristeceu. Deixava na pequena cidade o único homem que a faria feliz. Como despedida ele carregou sua mala.
Mais tarde, em Lisboa, numa legítima casa de fado, caiu em lágrimas ao ouvir os tristes lamentos portugueses. A música a arrebatava de uma maneira que nunca tinha experimentado antes. Era fato: sua alma era portuguesa, era Paschoal Alves Pereira.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

trem


o homem que distribuía guarda-chuvas tira um cochilo

primazia

"Patria, socialismo o muerte. Lo juro!"

intensa vida social

Em tempos de solidão em massa: internet para os que têm dinheiro; para os que não têm, encontros com Deus em corais católicos e evangélicos. Pare de sofrer!

grajaú

Engajada em projetos sociais foi parar no Grajaú, o bairro de sua diarista.
A caminho do novo trabalho, percorria o trajeto diretamente oposto ao que tinha acabado de ser feito pela diarista. O percurso era o mesmo só que invertido. Uma de ônibus, outra de carro. A paisagem ia mudando, ficando feia.
Embora observada de ângulos diferentes, as duas passavam pela Praça Moscou.
Praça Moscou. Para uma, Moscou era apenas um nome; quem sabe um lugar no mapa? Para a outra era lugar visitado, com cheiro e cor definida, um lugar de lembranças e estórias vividas.
E a vida corria hipócrita na zona sul da cidade.

marido

O amor é a coisa mais impressionante que já foi inventada. De verdade, nada mais vale a pena. Só me vale ser humana por poder amar. Embora gatos também amem, o meu faz até greve de fome.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

eis a questão

Ser ou não ser fictício? Dá pra ser ficção?

minha pergunta aos orixás

E essa angústia derradeira?

casa de vó

Lembrança de dia de nascimento junto da estante dos livros. Casa de vó. Por que será que avó faz isso? Por que será que ele faz isso?

ego trip

Há de se negociar pelo pão nosso de cada dia.
Pelo egoísmo nosso de cada dia.
Ansiedade gritante por um ajuste mais prazeroso, mais de encontro com as almas.
Lavar as mãos? Não quero, não consigo, não acredito nisso. Não lavo as minhas.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

sete ondas

Ao som do mar e à luz do céu profundo, ano novo. Pensou que o seu maior desejo era realmente encarnar nome e sobrenome. Ela, que era insistentemente formada pelos assuntos do ar, queria agora colar-se ao número de seu RG. Sem olhar pros lados, nada de planos mirabolantes. Pediu o dia-a-dia.