quinta-feira, fevereiro 27, 2014

ausência

Estão sentados à revelia dois meninos de seus sete anos. Olham em volta e não entendem as regras claras e precisas daquele lugar. Tudo ali inspira medo e fantasia: corpos tremendo, vozes que surgem grossas, gritos agudos de mulheres pontiagudas. Toda quarta-feira o espetáculo se repete. Seus pais se transfiguram em seres desconhecidos. Uma música alta agita os corpos suados das pessoas que ali frequentam. Pipoca, milho, sangue, penas, carne muito salgada e um doce branco enrolado na folha de bananeira se repetem. O menino mais baixo pode descer as escadas apenas pelo lado direito, o menino mais alto desce apenas pelo
centro. Não sabem ao certo o porquê. Seguem os comandos dos mais velhos que, travestidos e transfigurados, com seus olhos vidrados para dentro de si, dão sinais de alertas, broncas, beijos e abraços apertados nos que ali estão. O menino mais novo, o mais baixo, aquele que desce a escada pelo lado direito, quer desaparecer dali. Impaciente, busca a janela mais próxima e seu olhar se perde para bem longe daquele salão: imagina o que agora se passa na televisão, pensa na sua coleção de botão e a música alta vira silêncio meditativo, vácuo de pensamento e dentro dele outro ritmo se instala. Instantaneamente, um búzio cai no colo daquele menino que, ausente do que ali acontece, olha pela janela. De imediato, o menino é levado ao centro do salão, os adultos de gestos alterados amarram panos em seu peito e ele se torna o elemento que faltava naquela noite. Tudo e todos, agora, giram ao seu redor.

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