domingo, novembro 25, 2007

água viva

Desde pequena causava inundações. Esquecia a torneira ligada e inundava o apartamento do sétimo andar para desespero de sua mãe e do vizinho do sexto andar. Eram constantes rodos, panos e baldes a apagar vestígios de seu samsara infantil.
Cresceu e foi morar numa casa amarela. Os três primeiros anos de morada foram repletos de acidentes que destruiram pintura de parede e a estante de livros: era a chuva que furava a barreira das portas e alcançava o interior da tal casa amarela, a banheira que vazava água pelos azulejos, o filtro de água que fazia música com o respingar das gotas, além das infinitas mangueiras quebradas pela violência com que a água pedia pra sair naquela casa.
Nos últimos tempos, como se não bastasse, deu pra sonhar com alagamentos. Sonhava que vivia numa terra-oceano, onde em horror e devaneio sua pele virava escama. Acordava assustada e ia tomar banho. Limpava com dedicação cada pedacinho de seu corpo. Tomava então um copo d' água e tentava desesperadamente voltar a dormir.

Esse quase-conto não tem fim porque essa mulher sou eu. E acaba de acordar de mais um aguaceiro. Clamo por ajuda e peço auxílio dos bombeiros pois o homem que dorme ao meu lado, o mesmo que um dia em criança quase incendiou a área de serviço do apartamento de seus pais, sonha nesse instante com chamas e labaredas.

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