segunda-feira, março 05, 2007

o homem mais misterioso do mundo

Meu avô falava pouco. Minha maior recordação dele é que tudo e todos paravam para que ele assistisse Charlie Chaplin na televisão.
Logo descobri que gostar de Chaplin era uma maneira de me aproximar dele, então ria alto com as trapalhadas de Carlitos para que todos, e principalmente ele, soubessem que o programa também me agradava.
Lembro que no último Natal que passamos juntos, ele rompeu a barreira de seu solene silêncio, e dançou break por horas a fio.

Detalhes que contam quem era meu avô: ele tinha um despertador vermelho e uma estátua de um menino jornaleiro, não tirava seu roupão azul-marinho, torcia para o Palmeiras e desenhava muito bem.

Minha avó fazia deliciosas comidas para festejar meu avô. Íamos sempre almoçar na casa deles e para beber tinha sempre água tônica, que eu detestava e achava uma bebida fracassada. Meu pensamento de criança não concebia que um quase-refrigerante-de-adulto fosse tão sem graça e sem gosto!
Um dia, numa manhã de final de semana, meu pai chegou abatido e disse que o "vovô Tó" tinha morrido. Ouvi a informação sem muito entender e voltei a brincar. Só que a partir daquele dia, a brincadeira mudou, brincava de procurar meu avô pelas ruas por onde passava. Nisso não havia morbidez, era um pensamento simples e objetivo: precisava encontrar meu avô que tinha desaparecido. E nessa procura havia o pragmatismo de uma criança com um forte objetivo.
Só o encontrei anos mais tarde reassistindo aos filmes de Chaplin. Aliás, tenho até hoje a sensação infantil de que meu avô é o próprio Charlie Chaplin.

2 comentários:

Anônimo disse...

Seu avô não desapareceu. Saiu por aí, com sua bengala de Carlitos...

Cesar Cordaro disse...

De um certo modo, todos temos os nossos mistérios, em maior ou menor proporção, e o maior enigma, talvez, seja a incapacidade de vermos além dos muros que os mistérios significam.
Procurei apreciar seu texto de forma objetiva, mas confesso que a emoção bateu forte em meu peito...