sexta-feira, abril 17, 2009

quanto tempo o tempo tem?

Tempo que se gasta para olhar para o lado. Tempo que se gasta para morrer de sede. Tempo que se gasta para deixar de ler mais uma página. Tempo que se gasta para inspirar. Tempo que se gasta para expirar. Quanto tempo durará tudo isso? Tempo que tenho de sobra para não fazer nada. Tempo que me faltava para fazer tudo. Tempo de dormir mais um pouco. Tempo de ler um livro por dia. Tempo de ver tv. Tempo de me irritar e querer dançar. Tanto tempo que não cabe no tempo. Tempo de digerir a comida. Tempo de nascer cabelos. Tempo de perceber as unhas compridas. Tempo de ficar recolhida. Tempo de escrever aqui.

quinta-feira, abril 02, 2009

eu e a espuma do mar

Achei uma foto que escondi quando tinha seis anos. Fiquei olhando a imagem que bem escondida ficou e só apareceu 24 anos depois guardadinha numa pasta verde, junto de embalagens de chicletes.

petit volcan

reproduzo aqui texto da Ju, minha irmã, artista desde que nasceu e neta da Julieta. Lindo!

JU (lieta)

Não há nada aqui.
Se você olhar bem, vai reparar que não há nada.
Tudo o que te encanta é vazio. Mas enche teus olhos quando enxerga, e vai longe olhando: olha, olha mais um pouco, indo longe, mais longe... Isso... Aperta a ponta dos dedos contra a palma deixando um buraquinho vazio entre eles e diz que vê melhor. Aperta os olhos, fecha o esquerdo e vê nitidamente o contorno das coisas, os muitos tons de verde, azul, vermelho... E diz que é lindo, nossa, como tudo é lindo!
(prefiro sentar-me contra as janelas porque a claridade enche os lugares de vultos.)
Deus que abençoe esse mundo todo, graças a deus estou aqui. Eu vi melhor o mundo hoje, não sei o que foi... Deve ter sido a viagem, ter saído da minha casa me fez bem, e há quanto eu estava querendo andar por aqui. Foi um milagre e eu vi melhor.
Com toda aquela vista, aquele sol enchendo de calor o meu corpo e aquele dia abençoado, eu olhei pra câmera e falei "salada": que é assim que se faz pra sair sorrindo na foto.

E então fiquei contente porque mesmo sabendo que não há nada aqui, eu te vi.

JULI (eta)

(Os dias passam calmamente. Não sei o que espero, mas espero, no fundo.)

Ela vai pra cama e as gatas se aproximam: querem aproveitar o calor que se fez do seu corpo no lençol de flanela. Tudo igual, não fosse as cicatrizes e o tubinho que vai drenando o sangue "ruim". As coisas do mesmo jeito, não fosse tanta gente querendo que "tudo" fique bem. E ela vai se preparando pra vida e para o que dela deriva, afinal, já viu tanta coisa e tanta gente, que sabe de cór o desfecho: se não for uma coisa, vai ser outra. Sabe mesmo e, por isso, vai levando, tranqüila.

T o d o s o s d i a s .

Ontem mesmo assistiu ao baile de debutantes da neta no vídeo cassete. Foi em 1991. E também o Natal de 1999, o aniversário de 1985 e tanta coisa, que já não sabe quando foi cada uma delas, porque chega uma hora que parece ser tudo igual.
E ela sabe que é.
Hoje o almoço foi na sala, a novela ofereceu aos seus telespectadores mais uma dose de anestesia com promessa de emoções para o próximo capítulo, a filha chegou cansada do trabalho, a sobrinha ligou dizendo que estava rezando por ela e ela também rezou muito para a nora que está aflita com o resultado de um exame.
Ela sabe que é assim mesmo e por isso não se importa com o imprevisto, já que, tirando algumas catástrofes naturais, o resto é humano e é fichinha. Quando se sofre uma, duas vezes; na próxima, o melhor a fazer é ficar calma e ajudar concreta e generosamente. A experiência conta muito para acalmar espíritos jovens e aflitos. Fora que o colo fica amaciado, o abraço mais anatômico a todos os tipos de corpos e o sorriso ofertado é sempre certeiro e terno.

E é assim todos os dias, até que chega um dia que não é mais. Mas aí não precisa falar porque não se está mais aqui para ver.

JULIETA

E, nesse acúmulo de dias, mais precisamente vinte e nove mil duzentos e sessenta e oito dias existindo, a beleza é sólida e indiscutível.

Texto de 2005 para a minha avó e que veio tão a calhar nesse momento.

quarta-feira, abril 01, 2009

destroços do dia

a história da história

Essa é a história da história que nunca foi contada. Ela nem sequer existiu. Ruiu a meia luz, num ruidoso relâmpago de idéia que vai embora. Desgostosa de si mesma, a idéia não tomou forma e a história nunca foi contada; ficou fechada no portãozinho de madeira puída e tinta desgastada. Não atravessou a rua, não pulou o meio-fio: ninguém ouviu! A história que nunca foi contada virou engasgo de gente torta,como aquela tia que morreu de soluço, mas aí é outra história. E essa já foi contada tantas vezes que virou lenda de família. Daquelas que assustam crianças quando elas soluçam, porque desde cedo aprende-se que nessa vida pode-se morrer de tudo.