reproduzo aqui texto da Ju, minha irmã, artista desde que nasceu e neta da Julieta. Lindo!
JU (lieta)
Não há nada aqui.
Se você olhar bem, vai reparar que não há nada.
Tudo o que te encanta é vazio. Mas enche teus olhos quando enxerga, e vai longe olhando: olha, olha mais um pouco, indo longe, mais longe... Isso... Aperta a ponta dos dedos contra a palma deixando um buraquinho vazio entre eles e diz que vê melhor. Aperta os olhos, fecha o esquerdo e vê nitidamente o contorno das coisas, os muitos tons de verde, azul, vermelho... E diz que é lindo, nossa, como tudo é lindo!
(prefiro sentar-me contra as janelas porque a claridade enche os lugares de vultos.)
Deus que abençoe esse mundo todo, graças a deus estou aqui. Eu vi melhor o mundo hoje, não sei o que foi... Deve ter sido a viagem, ter saído da minha casa me fez bem, e há quanto eu estava querendo andar por aqui. Foi um milagre e eu vi melhor.
Com toda aquela vista, aquele sol enchendo de calor o meu corpo e aquele dia abençoado, eu olhei pra câmera e falei "salada": que é assim que se faz pra sair sorrindo na foto.
E então fiquei contente porque mesmo sabendo que não há nada aqui, eu te vi.
JULI (eta)
(Os dias passam calmamente. Não sei o que espero, mas espero, no fundo.)
Ela vai pra cama e as gatas se aproximam: querem aproveitar o calor que se fez do seu corpo no lençol de flanela. Tudo igual, não fosse as cicatrizes e o tubinho que vai drenando o sangue "ruim". As coisas do mesmo jeito, não fosse tanta gente querendo que "tudo" fique bem. E ela vai se preparando pra vida e para o que dela deriva, afinal, já viu tanta coisa e tanta gente, que sabe de cór o desfecho: se não for uma coisa, vai ser outra. Sabe mesmo e, por isso, vai levando, tranqüila.
T o d o s o s d i a s .
Ontem mesmo assistiu ao baile de debutantes da neta no vídeo cassete. Foi em 1991. E também o Natal de 1999, o aniversário de 1985 e tanta coisa, que já não sabe quando foi cada uma delas, porque chega uma hora que parece ser tudo igual.
E ela sabe que é.
Hoje o almoço foi na sala, a novela ofereceu aos seus telespectadores mais uma dose de anestesia com promessa de emoções para o próximo capítulo, a filha chegou cansada do trabalho, a sobrinha ligou dizendo que estava rezando por ela e ela também rezou muito para a nora que está aflita com o resultado de um exame.
Ela sabe que é assim mesmo e por isso não se importa com o imprevisto, já que, tirando algumas catástrofes naturais, o resto é humano e é fichinha. Quando se sofre uma, duas vezes; na próxima, o melhor a fazer é ficar calma e ajudar concreta e generosamente. A experiência conta muito para acalmar espíritos jovens e aflitos. Fora que o colo fica amaciado, o abraço mais anatômico a todos os tipos de corpos e o sorriso ofertado é sempre certeiro e terno.
E é assim todos os dias, até que chega um dia que não é mais. Mas aí não precisa falar porque não se está mais aqui para ver.
JULIETA
E, nesse acúmulo de dias, mais precisamente vinte e nove mil duzentos e sessenta e oito dias existindo, a beleza é sólida e indiscutível.
Texto de 2005 para a minha avó e que veio tão a calhar nesse momento.
quinta-feira, abril 02, 2009
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