segunda-feira, janeiro 25, 2010

cadeiras

Sentada na cadeira que vale 600 reias sem um tostão furado no bolso.
No quintal, a velha cadeira de palha desmoronou; perdeu a cor e derrubou a última pessoa que ousou sentar por ali.
O casal usando uma única cadeira, um no colo do outro, quebrou o assento preto de pano.

Bob Wilson faz coleção de cadeiras e eu também gosto delas. Cadeiras parecem gente e às vezes padecem.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

ponto final

um pequeno amor

A menina percebeu que aquele beijo não era seu. Gestos, palavras, olhares e apelido carinhoso não eram dela e nem eram pra ela. Eram pra qualquer uma. Qualquer uma que coubesse na agenda compromissada dele, qualquer uma que quisesse ouvir de perto a voz melodiosa daquele homem. Ela, então, entendeu: alguns homens sofrem de amor a si mesmos. E um homem assim jamais poderia ser seu. Seu amor era religioso e devocional. Foi o último capítulo de uma história longa e difícil, com um final travestido de infeliz ( porque era um presente livrar-se de um romance assim). Agradeceu um pouco doída, peito ainda apertado. Iria passar. E ainda havia o grande salto a se dar - para bem longe do homem de palavras e poesias fáceis.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

2 ou 1

Quando parece que se esgota o que se pode saber de outra pessoa, quando se conhece cada poro de determinada pessoa, quando se sabe o número de linhas que a testa dela enruga para exprimir cada sensação, quando se conhece o cheiro do outro ( e se reconhece os passos desse outro pelas narinas - como faro de cachorro ), quando não se sabe mais se é você ou o outro que gosta de adoçar com mel o café com leite, quando se olha nas prateleiras e não se lembra mais de quem era determinado livro em vida de solteiro, quando seu corpo se ergonomiza ao sono do outro, quando o sapato largado no chão vira armadilha fácil e irritante, quando o espelho amanhece escrito de lápis de olho azul brilhante como presente de amor, quando as escovas de dentes amanhecem juntas, quando se divide IPVA e IPTU, quando o Natal é fracionado entre famílias, quando tudo isso acontece e ainda assim... - o grande susto - SE NOTA O OUTRO COMO OUTRO ( diferente e independente de você ). E se experimenta o amargo - o grande trote - porque te ensinaram errado: a gente é um, embora queira ser dois. E de repente o amargo se atenua porque a sensação de ser um só, livre e original, se torna doce.