sábado, agosto 29, 2009

ratos

Na mesma hora estamos andando por baixo da cidade: eu na linha verde e você na linha azul.

sexta-feira, agosto 28, 2009

cadeia alimentar

Giulietta e a mariposa não me deixam dormir. A gata corre atrás do objeto voador tropeçando em tudo o que está à sua frente e atrapalha meu sono. A mariposa faz um barulho de presa indefesa, juntando todas as suas forças para sobreviver ao ataque. Como amanhã tenho que acordar cedo, não tolero a cadeia alimentar!

Giulietta e a mariposa; a mariposa e Giulietta.

Impaciente, resolvo apartar a briga: salvar a mariposa e o que resta do meu sono. Abro todas as janelas, e na madrugada silenciosa o ringue continua. Provida de uma pasta na mão vou afastando o inseto, indicando o espaço de fora da casa.

Giulietta, com seu espírito de gata, entende que estou ao lado dela e que resolvi brincar também. A gata empolgada, dá pulos cada vez mais altos em direção a "nossa" presa.

Cansada e vencida, depois de um ataque da mariposa aos meu cabelos, me lembro que sou humana e resolvo dormir no outro quarto.

Longe de animais e insetos selvagens sonho com a selva. O que é rude me persegue.

domingo, agosto 23, 2009

azul

para Susana

Ela tem os olhos mais azuis e as pupilas mais pretas que eu já vi. Pupilas que mudam intensamente de tamanho a cada palavra dita.

É íntegra. Embora escorregue vez em quando no que não sabe ser seu querer. É humana.

Tão clara nos seus traços delicados.

Quase meu avesso, completa meu tom castanho.
Dá forma às minhas dúvidas quando fala das dela.

Sempre ao meu lado. Mesmo que ela caminhe ao sul e eu ao norte, em algum ponto da estrada nos encontramos sempre.

E na minha vida há um lugar reservado só pra ela.

quarta-feira, agosto 19, 2009

retroativo

Talvez você devesse saber do dia em que vi pela primeira vez todo aquele amarelo reunido; meu pai parou o carro pra realizar o que eu queria: correr no meio dos girassóis. As flores eram tão imensas que quase ultrapassavam a minha altura. E haviam abelhas ali. E a propriedade tinha um dono. E era eu, também, ali.

Naquela mesma viagem havia um anjo de pedra. Sei que os anjos não têm sexo, mas aquele era mulher. Fiz uma promessa à anja de pedra: voltaria um dia. E os mesmos olhos de pedra que me ecaravam, encarariam meu rosto alguns anos mais velha.

Muitos anos antes, eu olhei pro céu e pra terra e sem saber escrever ditei o que seria meu primeiro escrito. Eles acharam que eu tinha jeito pra coisa e me deram um caderno de poesia. Eu fingia que escrevia as letras que aquela altura desconhecia. Decorava a idéia do que "escrevia" e saia "lendo" pros outros que achavam "a menina uma graça!".

Alguns anos mais tarde encontrei um moço de olhos azuis em quem nunca encostei e muitos outros de olhos catanhos. Alguns consumados, muitos outros consumidos.

A partir daí o planeta Vênus retrocedeu e o caminho vermelho teve início.

Muito, muito mais tarde, macumbeira, escolhi uma calcinha vermelha porque sabia que veria por ali certo moço cruzando a esquina, bem perto de mim. E ali estava ele: não viu a calcinha vermelha, mas me viu.

Muitos anos antes, pulava da mesa da escola até o chão, de mãos dadas com os dois meninos: Gil e Gui.

E era você comigo no dia em que deixei pra trás meu guia. Amanheci sozinha pra caminhar antes do Sol nascer na terra do meu bisavô. Você me viu paralisada diante da água que brotava do meu rosto. Lambeu minha ferida e me deixou seguir.

E, naquele dia, eu passei a te seguir.

segunda-feira, agosto 17, 2009

parque

Quietinha e o prazer do silêncio. Em última instância, os outros são aventuras desejosas de se saber de si. Agradeço aos meus pares o prazer de brincar de mim e às muitas formas variadas que cada encontro me faz sentir.

quinta-feira, agosto 13, 2009

mr. joyce e a moça

Era uma vez uma moça que me dá preguiça. Mas devo falar dela pra que ela possa existir. Uma moça toda cor de rosa de renda. Quase sem corpo e sem chão. Ela não anda, flutua pelos cantos. Fixa seu olhar no nada e se ausenta. Não está aqui, está sempre além. Toda coração e exasperação. Lava o rosto se olhando ao espelho e diz pra si mesma: "acordei respirando você, Mr.Joyce".

quarta-feira, agosto 12, 2009

serendipità

"Serendipità, s.f. inv. scient., lo scoprire casualmente e in modo imprevisto un fenomeno di importanza fondamentale durante prove o esperimenti effettuati per tutt′altro scopo, o fondati su basi teoriche del tutto estranee alla scoperta. Per estensione: il trovare qualcosa mentre si sta cercando una cosa diversa."

il trovare qualcosa mentre si sta cercando una cosa diversa
il trovare qualcosa mentre si sta cercando una cosa diversa
il trovare qualcosa mentre si sta cercando una cosa diversa
il trovare qualcosa mentre si sta cercando una cosa diversa
il trovare qualcosa mentre si sta cercando una cosa diversa

Obrigada Rogério!

casa

Uma casa contruída da desconstrução. Quase nada ali foi escolhido. Foi-se herdando coisas e os detalhes apareceram.

corte

Foi preciso que me abrissem por dentro, arrancassem o que não servia mais para que eu entendesse o óbvio. A verdade ali, nítida, diante de mim: lembrei que andava e dançava, em volta e em cima do fogo, e corria enquando as outras mulheres davam passos curtos.
Eles ainda me deixaram uma cicatriz para que eu não me esqueça: tá gravado, virei um mapa das histórias que escolhi viver porque não quero mais apenas contá-las.

terça-feira, agosto 04, 2009

corpo

O corpo faz barulho por dentro. Grita pedindo que minha mente distraída o ouça. Pede coisas que ainda não sei, não descobri. Também é macio comigo, me ensina o improviso. As mãos na pele deslizam e o corpo abre-se inteiro.

segunda-feira, agosto 03, 2009

uma velha

Uma mulher sozinha, cheia de pequenas manchas nas mãos. Veias grossas e voz fina. Fala do tempo, do edredom que não seca, de sua coluna em forma de "S". Peço silêncio, ela se cala. Suas mãos estendidas sobre mim, ela me benze. Reparo as unhas sem esmaltes, mas cuidadosamente lixadas. Não consigo parar de olhar para aquela mulher que me benze, disfarço. Ela não está ali, benze todo dia e eu sou mais uma. Faz isso de graça; é só entrar que ela benze. Quer companhia. Faço minha parte: me benzendo, ela é importante. Pensamento atrás de pensamento, olho pra ela e ela... dormiu. Saio devagar pra não acordá-la do seu sonho de velhinha. Mais alguém entrará ali, muitos outros.

domingo, agosto 02, 2009

ser e ter

Frágil como tudo o que não depende exclusivamente da gente pra acontecer.
(Pode existir algo que dependa exclusivamente da gente pra acontecer?).
Frangalhinhos de respostas inseguras, pedaços de caminhos atenuados por um passo em demasia.
O passo que sobrou e te levou pra um além... além do destino de objetivo.
Num instante ri à toa, se eleva e voa; e num outro se insatisfaz com sua inabilidade em ser humana.
A raça humana inventou o amor? Os gatos te amam e gritam por ti. Mas você só é feliz se alguém te seguir com um balão vermelho em forma de coração.