quinta-feira, março 27, 2008

troca de pele

Então trocaremos de identidade. Você me dita palavra e eu te ensino a namorar. Empresto meu corpo jovem, em bom estado e com pouco uso, para seres de novo por esses tempos de tecnologia e poesia concreta. Você me deixa passear pela orla e me atrever a viver paixão e fogo. Assim, respondo a pergunta "como é que ela sabe de tudo?". E se um encontro for pouco, te digo.
Agora sinto você perto de mim e me dá medo. Sei que aceitou a proposta e que chegará no próximo táxi amarelo. Também sei que não se vive uma vida assim impunemente: a comer bananas adocicadas com canela em plena segunda-feira à tarde. Bananas têm mistérios das savanas. E tardes... bem, as tardes são nossos horários prediletos, não é minha dileta amiga?

anonimato

Um desconhecido, me olhando na rua, fez com que eu me sentisse completamente anônima. Ele me olhou de modo tão forte e atento, que me senti muito estranha a mim mesma. Tentei inutilmente visualizar o que seria e expressaria meu rosto. Senti no olhar apurado do homem, retrato fiel do que sou eu. E sendo mais alheia a mim do que a ele, atravessei a rua de cabeça baixa com imenso respeito a meu ilustre desconhecido.

domingo, março 16, 2008

auto ajuda

Aquele que sofre de elevada vida interna não deve deitar-se a cama em manhãs, tardes ou noites vazias. O pensamento vai, voa a lugares esquivos e faz troça do dia-a-dia. Nesses momentos, lavar a roupa auxilia muito. Varrer a casa, melhor ainda. Tudo o que te mostre o duro peso do trabalho braçal ajuda. E traz um leve e trivial prazer de tarefa cumprida. É tiro e queda.

me, mi, comigo

Hoje revelei um segredo que escondia de mim mesma. Resolvi me contar e compartilhar comigo surpresa e susto.

quinta-feira, março 13, 2008

mal-do-século

Quando uma frase não se faz é melhor abrir caminho. Quero falar de algo íntimo e secreto, mas não quero que me notem. Então, só digo que amo e do amor me faço toda. Exasperação e calmaria.

sinestesia

Bonjour. Te acordo com o gosto de ontem.

a minha voz

Um canto bem apertadinho. Voz aguda saindo de mansinho, arranhando e apertando minha garganta. Sentindo falta de ar, vou completando a inviável canção que meu peito pedir pra eu cantar. Não são fagulhas, nem choques de cores e notas. É uma voz preto e branca mesmo. Inconsistente e tímida. Que na sua grandeza, disfarça: faz denguinho e dissimula frágil presença. Um dia chego lá, no lugar que realmente se esconde minha voz, e só vou querer saber de cantar samba canção!

segunda-feira, março 03, 2008

estória de princesa para crianças-meninas (meninos também podem ler e não tenham pudor em gostar)

Porque era filha do Sol e da Lua não podia andar pelo mundo sozinha. Andava em carruagens de mãos apertadas e dedos entrelaçados com os do Sol e os da Lua. Sempre no banco de trás.
Nunca respondia por si. Quando achava que dizia algo próprio, tinha por de trás os raios do Sol e a luz da Lua a lhe imprimir ritmo e magia.
Se tinha pesadelo, o Sol ou a Lua vinham lhe acalentar.
Uma vez, deu de andar na rua. Voltando pra casa, na ausência do Sol e da Lua, sua pele toda empipocada pedia algodão com água fresca. Tinha alergia de andar sozinha.
Sendo filha do Sol e da Lua, tinha encantos e anéis de saturno.
O tempo passou para a filha do Sol e da Lua. Passou. Passou. E, sem saber que o amanhecer chegaria naquele dia, ela abriu todas as janelas. Sendo filha do Sol e da Lua, tinha poderes e aleluias. Só não sabia. Determinou que não teria alergia, saiu só e maravilhas: mais fortes eram os dons da filha do Sol com a Lua. Só que ela não podia imaginar no meio da escuridão e confusão que eram razão do encontro do Sol com a Lua. Era esplendoroso estar sozinha, escolher se para a direita ou para a esquerda. Desprotegidamente protegida por ela mesma. Sendo ela inteira, era cada vez mais parte do Sol e da Lua, mas se bastava sozinha.