sábado, junho 16, 2007

mentora

Mas fala comigo e me leva pro abismo. Não ligo. Vem, aparece e mexe com tudo o que outrora foi construido. Deixo você falar por minha boca. Deixo que as árvores caiam e a tempestade derrube o que tem que cair. Agora assim acordada, não tenho medo. Vem e me mostra teu machucado: tiramos o espinho uma do dedo da outra. Chupo teu sangue com amor. Te espero com rosas cor-de-rosa e suéter vermelho. Até pinto a boca de batom escarlate - você vai rir porque nunca soube falar com a boca pintada de batom. Vem que te faço sopa de beterraba - estou craque no trato com a panela de pressão - e só tomaremos meia porção. Pode entrar pela fresta da janela que agora sem medo, eu te espero. Sei que tua tristeza era das mais felizes.

o livro das mutações

De verdade, há o caminho do meio. Perceber é fácil, difícil é ter coragem de segui-lo. E saravá.

sexta-feira, junho 15, 2007

nome duplo

Mas se para ser um é preciso ser tantos, me faço pássaro e cavalo. Pluralizo a mim mesma para ser realmente singular.

criança

Ela tinha razão: não era celular, era passarinho!

argila

Quando viu estava entre eles. Jogada na terra, rastejava. Suas mãos acariciavam o barro, seu rosto pedia para que se pintasse de terra. Brincava com formigas, tatu-bolas e minhocas. Uma música a levava até o chão. Entendeu: era cobra, lagarto, chã-de-dentro e chã-de-fora.

segunda-feira, junho 11, 2007

11 de junho

Hoje é aniversário deles. Servirei atum. Para beber, um pouco de leite fresco. Deixarei que afiem as unhas no sofá e saiam um pouco pra passear. Não pude dar-lhes o presente que me pediram, seria cruel e, além do mais, não posso ver sangue.

par

Ele gostava de falar. Ele lia, lia muito e falava sobre os livros que lia. Ele via, via filmes e falava sobre os filmes que via. Ele ouvia, ouvia músicas e falava sobre as músicas que ouvia. Ele praticava, prativa esportes e falava sobre os esportes que praticava. Ele era só.
Ela era só. E sabia que os ouvido são onipresentes. Ouvidos não têm escolha, não se fecham como os olhos ou como a boca. Então, ela ouvia. Ouvia sobre livros, filmes, músicas e esportes.
Eram a perfeição.

verbo

Sou e estou. Não ao mesmo tempo. Ser é consistir. Estar é circunstância. Gosto de sentir na língua a possibilidade de transformação: não sou, estou.

sexta-feira, junho 08, 2007

corpo do texto

Toda palavra é gesto. E frases, passos de dança.
Quero escrever como quem dança e dançar como quem escreve.

terça-feira, junho 05, 2007

"acordei que sonhava"

Leu que para os hindus, o universo é o sonho de Deus. Ele o está sonhando e nós somos parte do Seu sonho. Então era isso, ela não passava de imaginação! Olhou para cima e pensou toda cheia de si: mente criativa a do Senhor.

segunda-feira, junho 04, 2007

carta a uma pessoa querida

Aqui o amor se faz causa e conseqüência. Aqui amar é telepatia e ideologia. Amou fulano, cicrano, beltrano. Amor, aqui, não é vermelho; é lilás. Há algo de apaziguado nesse amar. Não sabe viver se não for para derramar seu amor. A liberdade já chegou, mas ela não sabe o que fazer com ela. É liberdade demais não precisar cuidar de ninguém. É liberdade demais cuidar de si. O luxo da solidão está pedindo pra entrar. Ela abre a porta com um pouco de receio ainda. É tão grande e tão linda que pode ser muito para ela. Um grande susto! É perigoso: de repente ela se vê e descobre o mundo. Aliás, a sua volta todos já perceberam e esperam dela brindes e fogos de artifício. Mas calma lá minha gente! Há dor também e é imensa. Há medo e há uma criança frágil que ouviu histórias demais e se assusta com o sobrenatural do que se conta. Ela precisa de colo e precisa se dar colo. Agora é ser inteira e assumir que às vezes a gente assusta e pisa na ferida dos outros e não tira o espeto da pata do urso. Todos esperam muito dela. E eu sei que ela é muito mais do que qualquer pensamento possa conceber: é muito maior e muito menor. É riso. É lágrima. Força e melancolia. Há uma parte dela com vontade de nascer e há outra que tem medo do que possa vir. Mas o primeiro sim já foi dado. E se seguirá de tantos sins e tantos nãos hão de vir. Doa a quem doer.

intrépido garçom

Ele arriscou seu emprego para me dar um bolo de banana. Furou o bloqueio das iguarias, burlou seu chefe e trouxe a minha mesa o lindo pedaço. Corajoso, agiu com o coração. Tudo para que eu não pagasse o abusivo preço do buffet. Merci mon garçon! Je ne vous oublie pas!

journey in satchidananda

Hoje deixei de ser peixe e pássaro e voltei a fazer escavações. Agora me aventurarei no reino das letras e das flores de lótus. Lembrei o caminho de casa. Quando quiser faço visita.

sábado, junho 02, 2007

menina azul

Do outro lado do mundo vive uma menina-azul que vê o mundo com olhos que até poderiam ser meus.
É só clicar que ela aparece.

impressionismo

Era uma história tão perfeita que não cabia impressão dentro dela. Estava tudo ali, pronto e acontecido. Já era fantástica na sua realidade. Havia nela os encantamentos que a imaginação cria e tinha até senso de humor. Tão estupidamente boa que não tinha graça em se transformar em escita com ponto, vírgula e final surpreendente.

sexta-feira, junho 01, 2007

minha avó é uma sereia

Ela era cabeleireira e também é minha avó. Morávamos bem pertinho. Prédios colados que facilitavam a livre expressão de nossas hereditariedades italiana e espanhola: quando queríamos falar uma com a outra era só ir até a janela e gritar sonoramente uma pela outra.
Ir a casa dela era fácil e eu adorava. Podia chegar lá sozinha sem interferência de pai ou mãe. E passava lá quase todas as tardes. Ela deixava (e ainda deixa) que eu mexesse em suas bijuterias, perfumes e, por vezes, até abria seu território sagrado, onde ficavam muito bem guardados os casacos de pele de minha bisavó.
Minha Julieta (esse é o nome dela) é das pessoas mais vidosas que conheço e quando minha mãe era pequena, era dona de um salão de beleza que funcionava em sua própria casa mesmo.
Nas tardes em que passavamos juntas, vez por outra, ela pegava a tesoura e cortava um pouquinho meu cabelo. Minhas visitas eram frequentes e para desespero de minha mãe, os cortes também! Uma franjinha aqui, uma costeleta acolá, uns três dedinhos a menos, um curto radical e minha vida capilar era a mais movimentada dos meios infantis por onde andava.

o certo é ser gente linda e cantar, cantar, cantar

Om namah shivaya